terça-feira, 26 de agosto de 2014

Fernando Pessoa - Meu Olhar


      O meu olhar é nítido como um girassol.
      Tenho o costume de andar pelas estradas
      Olhando para a direita e para a esquerda,
      E de vez em quando olhando para trás...
      E o que vejo a cada momento
      É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
      E eu sei dar por isso muito bem...
      Sei ter o pasmo essencial
      Que tem uma criança se, ao nascer,
      Reparasse que nascera deveras...
      Sinto-me nascido a cada momento
      Para a eterna novidade do Mundo...

      Creio no mundo como num malmequer,
      Porque o vejo. Mas não penso nele
      Porque pensar é não compreender...

      O Mundo não se fez para pensarmos nele
      (Pensar é estar doente dos olhos)
      Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

      Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
      Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
      Mas porque a amo, e amo-a por isso
      Porque quem ama nunca sabe o que ama
      Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

      Amar é a eterna inocência,
      E a única inocência não pensar...



      Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914

Nenhum comentário:

Postar um comentário